Autodidata convicto, sou daqueles que estão sempre tentando aprimorar os métodos de trabalho. A experimentação e observação atenta são atos fundamentais nesse processo. Não planejo, nem projeto a peça que vai ser feita. Quando muito, imagino o que poderia sair do pedaço de bambu que escolhi, embora jamais tente viabilizar o que imaginei. O percurso até chegar a forma final é longo e repleto de derivativos.
Por pura diversão, busco a melhor maneira de obter planos exatos, superfícies polidas, curvas simpáticas, quinas perfeitas, concordâncias suaves, formas harmoniosas. Todas entendidas e trabalhadas como um conjunto de partes de um inteiro. As atividades que realizo são inteiramente manuais, sempre executadas com o auxílio de ferramentas muito simples e, muitas vezes, improvisadas. A busca pela forma básica de uma peça normalmente começa com a retirada de grandes lascas do bambu com uma pequena foice de estimação, sempre bem afiada. Trata-se de um serviço bruto que exige precisão, sob pena de inviabilizar o resultado que se pretendeu obter.
O refino da forma é conseguido com a retirada progressiva de pedaços de bambu cada vez menores, com a ajuda de pequenas goivas, faquinhas e lixas grossas. Aqui, um golpe imperfeito, fruto de distração ou descontrole, pode produzir estragos e exigir esforços para remediá-los. Um buraco criado em uma superfície quase pronta demanda desbastá-la por inteiro O ideal é não errar nunca.
O acabamento de cada uma das partes da peça é feito sem qualquer pressa e sempre buscando obter um bom resultado da parte em si e dela em relação às demais. Aqui, o trabalho de desbastar do bambu é cada vez mais sutil e só termina depois de conseguir que cada superfície, cada curva, cada quina estejam livres de defeitos e irregularidades. Lixas finas, cacos de vidro e lâminas afiadas são usadas em movimentos longos e quase sem pressão sobre o bambu. Enquanto a lixa produz um pó finíssimos, o vidro e o aço retiram fiapos muito simpáticos, em formato de molas espirais.
Vez por outra, esfrego com força as superfícies acabadas com um pedaço de bambu até deixá-las brilhando como se estivessem sido envernizadas.
As peças são feitas mediante a conjugação de duas atividades complementares, que se sucedem ciclicamente, o tempo inteiro: identificar defeitos e tentar acabar com eles. Entenda-se por “defeito” tudo aquilo que desagrade aos olhos e ao tato: inadequações na forma, imperfeições no acabamento de cada curva, superfície, quina, ângulo e ponta; imperfeições de simetria, concordância, equilíbrio, harmonia e beleza, e tudo o mais que, de alguma forma, me desagrade, sugerindo que o trabalho continue mais um tanto, até que não mais encontre o que esteja impróprio aos olhos e ao tato. Sempre procuro usar a ferramenta mais adequada para tentar acabar com cada defeito que encontre pela frente, como se estivesse resolvendo um delicado quebra-cabeça. Muitas vezes faço o serviço completo apenas com uma das minhas faquinhas, o que aumenta o desafio e a satisfação em conseguir um bom resultado.
Gosto muito de trabalhar enquanto converso com amigos na varanda de casa e sempre levo ferramentas e pedaços de bambu quando viajo. É comum ir fazendo uma colher durante minhas caminhadas matinais à beira-mar em busca de saúde.
Cada pedaço de bambu é único, em função das suas características e formatos, que resultam do gomo de onde foi cortado. Cada gomo de uma vara de bambu é diferente dos demais, em decorrência do seu diâmetro, da espessura da parede, do tamanho dos nós, do comprimento, da cor da casca, da superfície interna, do tipo e da dureza da madeira e assim por diante. As características e a disposição das fibras de cada pedaço de bambu funcionam como fatores determinantes.
A minha disposição ao escolher um pedaço de bambu pra cortar é a de tentar tirar proveito das suas especificidades, sejam elas favoráveis ou dificultadoras do meu trabalho. A brincadeira será tão mais interessante quanto mais irregular for o pedaço de bambu.